Diferente de
Fernando Meirelles, não chorei quando assisti ao novo filme do diretor João Jardim,
Pro dia nascer feliz. O documentário apresenta depoimentos de alunos e professores de escolas públicas e privadas de várias regiões do país. É um filme tocante, sim, mas para um professor pouco do que ali está apresentado realmente pode fazer alguma diferença ou mesmo sensibilizar.
Resolvi ser professor porque sempre gostei muito de literatura e porque eu acreditava que poderia ajudar na formação de leitores. A tarefa parecia simples, mas se mostrou extremamente difícil. Isso não é minha culpa ou de qualquer outro professor. A realidade educacional brasileira é muito complexa. Como o próprio filme registra, em 1962 apenas metade dos 14 milhões de jovens freqüentavam a escola. Hoje, 97% das crianças e jovens em idade escolar estão regularmente matriculados, mas isso não significa qualidade de ensino e aprendizagem. Pelo contrário... O Brasil sempre aparece nas últimas posições em pesquisas que analisam leitura, escrita e raciocínio lógico. Durante décadas o país privilegiou o ensino superior e acabou esquecendo a educação básica. Os políticos estão preocupados em consertar a situação, mas resolveram fazer isso tarde demais. Não que não seja mais possível, mas nada será resolvido com medidas paliativas. Para mudarmos o quadro, precisamos de tintas completamente novas.
Um fato alarmante: a maioria dos professores brasileiros (mais de 60%, pra ser exato) atualiza-se apenas através da televisão. Muitos não lêem livros e nem têm acesso à internet. Isso sem falar nos ridículos salários que recebem... Para um professor viver bem numa cidade grande, sozinho, precisa receber pelo menos dois mil reais. Se tiver esposa e filhos, o salário precisaria passar fácil dos três mil reais. Porque um professor não deveria pagar apenas contas de luz, água, telefone e cesta básica. Todo professor deveria ser um assíduo freqüentador de cinema, teatro e shows, deveria constantemente acessar a internet, fazer cursos de atualização, especialização, mestrado, doutorado, deveria mensalmente comprar aqueles livros que as editoras não enviam aos professores, porque um professor não deveria e nem poderia ler apenas o que trabalha com seus alunos.
É claro que essa constante atualização por que deveria passar qualquer professor não significa obrigatoriamente melhoria da qualidade de ensino. Um professor que fez apenas sua graduação e recebe um salário baixo pode ser muito melhor do que um professor experiente, com vários títulos em seu currículo e uma renda gorda. Uma aula boa, um professor que prenda a atenção de seus alunos e que consiga ensinar corretamente depende muito mais de disposição e garra do que de experiência e grana.
A verdade é que a sociedade não prestigia o trabalho do professor. Nem o governo. O que acontece então?! Professores desestimulados, desatualizados e desinformados geram alunos desestimulados, desatualizados e desinformados... É claro que a coisa não é tão simples como estou descrevendo.
Um grave problema, perceptível em qualquer classe social, de acordo com o filme, é o fato de que os pais dos alunos também não os estimulam, também não acreditam em seus filhos. Às vezes nem vêem seus filhos diariamente. Isso prejudica radicalmente o trabalho do professor. Para o aluno, ter reconhecido seu esforço por parte dos pais é fundamental. Se os pais não acreditarem em seus filhos, ninguém mais acreditará. É claro que existem pais dedicados, o que também não garante um bom desempenho escolar do filho, mas já é meio caminho. O que um pai não pode esperar da escola é que seu filho sairá formado com excelentes notas e um bom intelecto sem que ele apóie seu filho e a escola, o trabalho que ela desenvolve.
Como sugere uma professora no filme, talvez a escola, nos moldes atuais, realmente precise de uma radical transformação. Percebo que são pouquíssimos os alunos interessados em aprender. Em Porto Alegre, já ouvi relatos de amigos professores de escolas públicas que dizem que seus alunos os respeitam e acreditam que é através da educação que podem vencer na vida. Vêem no professor uma ferramenta para ascender socialmente. Infelizmente não é a regra para boa parte dos estudantes brasileiros. A maioria dos jovens que estudam em colégios particulares, entretanto, vê no professor a figura que está lhe atrapalhando na conclusão de seus estudos básicos. O único professor adorado por todos alunos é o dos cursinhos pré-vestibulares, porque é o cara que não faz chamada, não dá nota, estimula e garante que vai colocá-lo na universidade.
Todas as generalizações têm suas exceções, é claro. Não posso dizer que sou um professor muito tradicional. Meus alunos percebem isso e gostam dessa minha maneira descontraída de dar aulas, mas nem sempre isso é apreciado por pais e pelas direções dos colégios. De qualquer forma, foi assim que consegui atrair a atenção dessa garotada. É claro que esse é o meu jeito, eu não faria diferente mesmo que me obrigassem sob pena de demissão, mas talvez todo professor brasileiro deva repensar a sua maneira de dar aulas e de se portar diante das turmas que ministra. O professor precisa acreditar não só no que está ensinando, mas na maneira como ensina.
É claro que já fui alvo de olhares contrariados dos próprios alunos. Procuro entender que é difícil pra eles tentarem imaginar a posição do professor diante de sua turma. Recentemente, durante a discussão de um livro, chamei a atenção de um grupo que conversava e atrapalhava a discussão. É provável que eles também estivessem discutindo o livro, mas eu precisava da atenção deles, porque conversa gera conversa, e aí eu perderia a atenção de todos alunos da turma. Ter sua atenção chamada pelo professor é chato pra qualquer aluno, especialmente quando ele não sente que está errado, ou quando acredita que está participando da aula à sua maneira, mas o professor não sabe sobre o que ele está conversando...
Do lado oposto, às vezes o professor menospreza a inteligência, a capacidade e as angústias de seu aluno. Isso aparece muito bem no
Pro dia nascer feliz. Uma amiga achou fúteis as angústias e os problemas das adolescentes ricas que aparecem no filme dando seu depoimento. Não sei se é por aí. É claro que existem adolescentes alienados, talvez a maioria deles seja alienada. Entre os que não são, são poucos os que conseguem expressar de maneira clara as suas posições. Mas não podemos desmerecer os problemas de ninguém. Quando eu era adolescente, achava que os meus problemas eram os maiores do mundo, o que não me tornava alienado ou fútil, embora boa parte dos meus problemas fossem fúteis... Mas esses são os problemas de qualquer adolescente, ou pelo menos deveriam ser: namoro, sexo, drogas, amizades, estudo, cultura, esportes... Não se trata de experimentar drogas ou sair fazendo sexo sem pensar, são apenas questões que atormentam os adolescentes e que pais e professores parecem fingir que não sabem disso. E talvez alguns não saibam mesmo...
Mas o que o filme revela de mais assustador e que, se algum adulto sabia, não contou pra ninguém, é o fato de que os adolescentes precisam ser muito mais ouvidos porque suas angústias são maiores do que podemos imaginar. Uma das meninas diz: "Tenho medo de coisas totalmente complexas e grandiosas, como o medo da morte, o que acontece depois da vida, quem sou eu, o que vai acontecer comigo. São coisas que você começa a pensar e que não têm resposta". É uma aflição de uma menina de classe média-alta (ou alta), que estuda num dos colégios mais caros do país, mas é uma aflição que se espalha entre outros alunos Brasil afora, de todas as classes sociais...
Como propôs Gilberto Dimenstein em recente artigo no caderno
Cotidiano da
Folha de São Paulo, "nada é pior que não reverenciar talentos". As angústias desses adolescentes se transformam em talento, como bem demonstra
Pro dia nascer feliz. Pais, alunos, professores e políticos deveriam ser obrigados a assistir
Pro dia nascer feliz. Talvez assim o Brasil realmente tenha um futuro promissor.