sábado, novembro 10, 2007

[ leitura e mercado editorial no Brasil ]

Em recente artigo sobre leitura, publicado aqui na revista Entre Livros, Umberto Eco comenta o livro de Pierre Bayard, Como falar dos livros que não lemos? Não li o livro de Bayard, mas as reflexões apresentadas no artigo de Eco me deixaram um pouco perplexo. Eu já sabia que nunca conseguirei ler todos os livros que deveria ou gostaria de ler. Mas nunca tinha parado pra pensar de maneira mais clara sobre isso. O cálculo é o seguinte: se uma pessoa ler um livro por dia dos 10 aos 80 anos terá lido, em 70 anos portanto, cerca de 25000 livros. Isso é quase nada perto da quantidade importante de livros que deveriam ser lidos, do meu ponto de vista. Resolvi fazer um outro cálculo. Se uma pessoa ler um livro por semana no mesmo período, que é uma quantidade bastante apreciável, terá lido cerca de 3600 livros. Esse é quase o número de livros que já tenho em casa. Nunca parei pra contar o número exato. Talvez eu já tenha mais do que isso. Meus professores da faculdade já passaram há muito tempo dessa quantidade.

É claro que o professor de literatura brasileiro precisa ter muitos livros. Não apenas porque é seu objeto de trabalho, mas porque o mercado editorial brasileiro é uma droga. Não há uma preocupação das editoras em manter em seu catálogo títulos que vão ficando esgotados, a não ser que as tiragens desses livros vendam rapidamente, como O Código Da Vinci ou os livros da Bruna Surfistinha. Nos Estados Unidos e na Europa, os professores universitários costumam ter em casa cerca de 1000 livros. Não precisam ter mais, porque as bibliotecas de suas instituições de trabalho, e mesmo as bibliotecas públicas e escolares de seus países, costumam estar sempre bem abastecidas e atualizadas. Os livros que esses professores possuem costumam ser apenas os de que mais gostam ou os que mais utilizam.

Só pra citar alguns exemplos de livros importantes a respeito de Machado de Assis que estão fora de catálogo: Bibliografia de Machado de Assis, de J. Galante de Souza (R$ 90,00), A juventude de Machado de Assis (R$ 80,00) e Dispersos de Machado de Assis (R$ 70,00), de Jean-Michel Massa, Vida e Obra de Machado de Assis (4 vols. - R$ 100,00), de Raimundo Magalhães Junior. Os valores referem-se aos exemplares mais baratos encontrados na Estante Virtual. Deve-se considerar que são livros relativamente difíceis de serem encontrados e que foram publicados há bastante tempo, ou seja, as edições já estão com problemas de conservação. Se fossem relançados, talvez tivessem o mesmo preço (o que acho difícil: provavelmente seriam mais baratos), mas estariam muito mais bonitos e durariam muito mais, afinal a qualidade das publicações foi melhorando ao longo do tempo. Eu, que não tenho desejos de colecionador, que não me preocupo com primeiras edições, preferiria muito mais o livro novo do que o usado, se fossem esses mesmos valores. Eu poderia citar diversos outros títulos, escolhi um assunto só pra ilustrar, mas também está fora de catálogo O Seqüestro do Barroco da Literatura Brasileira (Haroldo de Campos), fundamental em discussões sobre Literatura Brasileira nas universidades. Pra utilizar exemplos interessantes: a editora Companhia das Letras, quando atualiza seus valores, atualiza inclusive os dos livros esgotados. A Ascensão do Romance (Ian Watt) sai por R$ 42,00 na Estante, e no site da editora está por R$ 49,00; O Campo e a Cidade (Raymond Williams) sai por R$ 100,00 na Estante. Segundo a editora, R$ 62,50. Não achei no site da editora os dois volumes da coletânea de entrevistas da revista Paris Review, Os Escritores, com diversos escritores fabulosos, mas na Estante está na faixa dos R$ 40,00 cada. Da editora Globo, Teoria da Literatura: Formalistas Russos, organizado por Dionisio de Oliveira da Silva, sai por R$ 60,00 na Estante. Novo, custaria cerca de R$ 30,00, acredito. Provavelmente você também sabe de outros livros esgotados. Eu sei de muitos outros...

Retomando Eco: "O ponto crucial, para Bayard, é a classificação crítica. Ele afirma, sem o menor pudor, que nunca leu o Ulisses de Joyce, mas que pode falar sobre ele aludindo ao fato de que se trata de uma retomada da Odisséia (que ele, aliás, admite não ter lido por inteiro), que se baseia no monólogo interior, que se passa em Dublin em um único dia etc. Assim escreve: 'Portanto, em meus cursos acontece com certa freqüência que, sem pestanejar, eu mencione Joyce'. Conhecer a relação de um livro com outros livros não raro significa saber mais sobre ele do que o tendo lido".

Não sei se concordo totalmente com essas reflexões. Fico triste por concluir que nunca conseguirei ser o professor que gostaria de ser, até porque meu ritmo de leitura é lento, a meu ver. Tenho uma prima que consegue sentar e ler um livro de 400 páginas em duas horas. Queria ter essa capacidade... Mas enquanto o Brasil tiver esse mercado editorial horrível e essa quantidade ridícula de leitores, talvez eu não precise mesmo ser tão rápido.

Um comentário:

carlo disse...

Ezra Pound cita Sêneca: "Leia muito, poucos livros". Acho que isto salvou minha vida!