segunda-feira, junho 11, 2007

[ da falta de sensibilidade ]

Ontem fui assistir ao longa de estréia do diretor Philippe Barcinski, Não por acaso. O filme começa de maneira meio arrastada, mas o ritmo dita a leveza necessária. A narrativa está dividida em duas partes, em dois focos, determinados pelo mesmo acontecimento: um acidente de carro que mata a namorada de Pedro (Rodrigo Santoro) e a ex-esposa de Ênio (Leonardo Medeiros). A vida dos dois é abalada e transforma-se profundamente por conta desse acaso. O primeiro acaba envolvendo-se com a inquilina de sua falecida namorada. O segundo precisa aprender a lidar com a filha adolescente com quem ele nunca teve muito contato.

Aparentemente, a trama é banal, chata, tediosa. Aparentemente, apenas. O filme explora sentimentos recônditos comuns a qualquer ser humano, sentimentos com os quais é difícil lidar e que, muitas vezes, permanecem escondidos. Não é um filme de ação, definitivamente. Mas quem disse que pra um filme ser bom ele precisa ter ação? Não estou pensando na ação como um gênero, em filmes como Rambo ou Platoon, mas na agitação, na movimentação, na troca de cenas, em diálogos ágeis... Apesar do filme se passar em São Paulo, apesar do trânsito da cidade ser um dos seus pontos de apoio, não há mesmo muita ação no filme.
Saí do cinema sensibilizado por aquela história. Dirigi-me ao bebedor para tomar um pouco de água e escutei um comentário infeliz a respeito do filme. Uma mulher por volta dos 30 anos tinha achado o filme chatíssimo e ficou reclamando que o cinema nacional é uma droga. "Depois dizem que precisamos assistir a filmes nacionais. Se é pra ver porcaria, melhor ficar em casa". Realmente, uma perua burra como aquela precisava ter ficado em casa... Não que não existam peruas inteligentes, mas é raro encontrar gente rica e culta no Brasil. São poucos os brasileiros que têm muito dinheiro e que sabem contemplar uma obra de arte, independente da sua nacionalidade. Essa maioria ignorante costuma apenas ler a lista de livros mais vendidos da Veja e assistir a peças globais e filmes Blockbuster. É uma pena que não saibam reconhecer uma obra de arte quando estão diante de uma.


Aliás, esse é um problema comum à maioria dos brasileiros. Sensibilidade é algo que devia ser ensinado no colégio. É claro que mesmo assim poucas pessoas conseguiriam apreendê-la, mas ela precisava ser mais trabalhada.

Antonio Candido, num ensaio fabuloso (O direito à literatura, de 1989), argumentava que todas as pessoas deveriam ter acesso não só à literatura, mas à arte em geral, à arte refinada. De outra forma, acabariam sendo todas absorvidas pela cultura de massa, apreciando Calypso e outras baboseiras que costumam fazer sucesso durante algum tempo e depois somem. Se um professor não mostrar para seu aluno a beleza de um quadro, a mensagem de um poema ou o prazer de uma boa canção, provavelmente ninguém mais o fará. É claro que o aluno precisa estar aberto para essa experiência. Sobre isso, Candido inclusive relata um caso ocorrido com ele em sua adolescência. Um casal de empregados de sua família lhe pediu para que lesse para eles o Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. O casal em questão era analfabeto, mas já tinha escutado a trama resumidamente de um amigo. Candido leu o romance e percebeu que o casal, apesar da pouca instrução, conseguia absorver corretamente as emoções da narrativa.

Outro dia um grupo de alunos me perguntou se eu havia assistido ao Cinema, Aspirinas e Urubus, do Marcelo Gomes. Respondi que não só havia assistido como adorado. Eles me olharam com uma cara feia, reclamando que nada acontecia no filme. E o pior que não eram daqueles alunos que assistem apenas a filmes como Velozes e Furiosos ou outras babaquices do tipo. Ora, esse filme é outro exemplo de uma narrativa em que aparentemente nada acontece. Mas ele não explora os sentimentos mais profundos do homem, como o Não por acaso. Aliás, trata de algo simples e fundamental para o ser humano: a amizade. Além disso, ali estão retratados diversos elementos da cultura brasileira, ou pelo menos da cultura de uma boa parte do país, como a singeleza e a humildade. A paisagem do sertão é belíssima, apesar de árida e seca. A simplicidade do povo parece justificada pela época em que se passa a trama, por volta do início da década de 1940, durante a II Guerra Mundial, mas quando melhor observada, fica claro que essa simplicidade é inerente àquele povo.

Quando eu era adolescente, ficava pensando por que algumas coisas eram tão apreciadas por algumas pessoas. Ficava tentando entender por que Shakespeare, por exemplo, era considerado o maior dramaturgo de toda história do teatro e um dos monstros da literatura. Eu percebia que devia haver algo a mais ali, algo que talvez eu não estivesse preparado para contemplar naquele momento. Isso é comum: nem sempre estamos preparados para absorver uma obra de arte, nem sempre estamos maduros o suficiente, nem sempre temos a experiência prévia necessária. E é claro que se conquistamos isso ainda na juventude, de preferência ainda na adolescência, como foi meu caso, fica muito fácil apreciar a arte. O que não dá pra aceitar é a intransigência de certas pessoas, adolescentes ou adultos, ambos sem sensibilidade, que acham que só porque eles não gostaram da obra ninguém mais pode gostar. Se o filme do Marcelo Gomes foi o escolhido para a pré-seleção do Oscar, há algo por trás do filme que não foi percebido. Felizmente, meus alunos disseram que vão assistir ao filme novamente. Pena que a perua citada lá em cima provavelmente não vai fazer o mesmo com o filme do Barcinski...

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