domingo, outubro 29, 2006

[ santa inês 60 anos ]


Um dos colégios onde trabalho, o Santa Inês, está comemorando 60 anos. Em sua homenagem, eu escrevi um artigo que saiu na revista do colégio e, na última quinta-feira, no caderno Petrópolis do jornal Zero Hora. Como eles fizeram uma edição no texto e cortaram um parágrafo meio inútil mesmo, resolvi postar o texto integral aqui.


Colégio Santa Inês
Há 60 anos o coração do Petrópolis
Prof. Marcelo Frizon

Saio de casa às 7h10min. A Av. Alegrete ainda está pouco movimentada. Apenas algumas poucas senhoras estacionam seus carros em frente à academia para praticar alguma atividade esportiva antes do trabalho. Caminho em direção à Av. Carazinho, que está tomada por trabalhadores descendo em direção à Nilo Peçanha ou subindo em direção à Protásio Alves. Alguns moradores estão varrendo as calçadas de suas
casas. Os armazéns já estão abertos, com um cheiro de pão quentinho se misturando à fumaça dos carros. Crianças e adolescentes caminham inocentes e alegres em direção a suas escolas. A sombra das árvores corta o sol surgindo no horizonte.

O que se vê, a esta hora da manhã, são pessoas que caminham desatentas ao encontro de seus destinos. Cada passo é dado com um objetivo, assim como os meus. Apesar do frio que agrava o sono que custou a ir embora, meu destino é uma sala de aula de um Colégio que está completando sessenta anos. As ruas por onde caminho transformaram-se radicalmente nesse período. Sinto que carrego em minha pasta muito mais do que provas, livros e materiais: carrego uma história que ajudo a construir.

Ao penetrar no Colégio, a agitação das conversas dos estudantes do Ensino Médio vai aumentando junto às brincadeiras das crianças do Ensino Fundamental. Essa percepção transforma-se numa sensação de vida. A cada bom dia que dou para meus colegas, observo que eles também sentem o mesmo que eu, também eles carregam uma história. Durante a oração, o calor das mãos apertadas leva embora o frio compartilhado até aquele momento. Mas a temperatura só fica agradável definitivamente quando entro na sala de aula.

Reconhecendo em cada rosto uma vontade diferente, faço minha chamada e cumprimento a turma que terá de encarar explicações e ensinamentos determinantes para sua formação. Mais do que um objetivo, estar ali diante desses adolescentes é uma necessidade. Não uma necessidade material ou financeira, mas uma necessidade física e sentimental, porque sei que aprenderei muito mais com cada um do que tudo aquilo que ensinarei.

Durante o recreio, no meio da manhã, a alegria do Colégio tem um sabor diferente. Nesse momento, sinto uma tristeza por um tempo que já passou e não é mais meu. O tempo é implacável, mas a sua passagem é fundamental. E para cada um dos jovens que está ali, na fila do bar ou no pátio ao sol, tem de ser assim. Antes de retornar para a sala de aula, vejo sempre alguma irmã contemplando os estudantes agitados com o final do recreio. É impossível sentir o que ela deve estar sentindo. Mas deve ser algo mais ou menos assim: o Colégio Santa Inês é o coração do bairro Petrópolis.

Costumam dizer que o Parque da Redenção é o coração do Bom Fim. É por ali que passeiam boa parte das famílias porto-alegrenses nos domingos de sol, apreciando as novidades do Brique e o chimarrão fumegando. Na verdade, talvez seja ali o coração da cidade.

Se é assim, se todo bairro tem seu coração, o Santa Inês é o coração do Petrópolis, pois é ali que se encontram amigos, colegas, casais de namorados, famílias inteiras. É ali que famílias se encontram em festividades mensais, sempre abertas a toda comunidade porto-alegrense. É ali que gerações já tiveram sua formação, é ali que a mãe estudou e também colocou o filho para estudar, assim como este fez com o seu filho, que é meu aluno. É ali que pulsa conhecimento, sabedoria, ensinamento. É ali que se firmam amores, amizades, relações eternas, duradouras, sinceras.

Ao voltar pra casa, no final da manhã, descendo desta vez a Av. Ijuí, tenho certeza de que é assim. Ou é como escreveu Vitor Ramil, no fundo, isso tudo é apenas o que meu olho inventa. “No tabuleiro rigoroso dessas ruas e na arquitetura minuciosa desses prédios a vida contemporânea explode em sua diversidade”.

Parabéns, Santa Inês!

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